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quarta-feira, 21 de abril de 2021

14ª e última sessão do Curso sobre o Antigo Egito



A ESCRITA HIEROGLÍFICA EGÍPCIA

A escrita hieroglífica é a mais conhecida entre os diversos tipos de escrita usados pelos antigos Egípcios ao longo de mais de três milénios. Ela é composta por  ideogramas (signos que transmitem ideias) e por fonogramas (signos que registam sons), os quais se completam e complementam de forma harmoniosa, e para a sua correta execução era necessário ter noções de apurada estética gráfica e possuir bons dotes de desenho e de caligrafia.

Usados desde a emergência do Egito unificado em finais do IV milénio, os signos que viriam a constituir a escrita hieroglífica, e que são facilmente diferenciáveis de qualquer outra escrita universal, foram um inesgotável manancial decorativo nas obras de arte, legendando e complementando as imagens e compondo uma rica iconografia, que hoje podemos admirar em paredes de templos e de túmulos, em estelas e em estátuas, e em muitos objetos decorativos e utilitários que se expõem em muitos museus do mundo – incluindo em Portugal.

O estilo de desenho das centenas de signos não foi sempre igual ao longo dos séculos, considerando-se os belos hieróglifos do Império Médio e os do Império Novo, nomeadamente os que foram usados durante a XVIII dinastia, como expoentes da elegância e do virtuosismo estético-gráfico, tendo sido depois a fonte de inspiração para os textos da XXVI dinastia, com o celebrado «renascimento saíta» dos séculos VII-VI a. C.

Mesmo quando, no decurso dos séculos, outras formas de escrita mais prática se foram impondo sobre vários suportes materiais (a escrita hierática e a demótica), os hieróglifos não perderam o seu estatuto de elementos de uma escrita sagrada, mantendo o seu claro monopólio de utilização em estelas de maior significado religioso ou político-ideológico e nas inscrições murais de templos e de túmulos, sendo em geral pintados em cores apropriadas.

A identificação de cada um dos signos hieroglíficos, desde que apresentados de forma não cursiva, torna-se relativamente fácil porque eles representam seres ou objetos concretos. O sistema começou por ter uma fase pictográfica, e os signos representavam seres humanos e as suas partes, animais, e ainda os astros, a vegetação, a geografia e os objetos do quotidiano que qualquer egípcio poderia «ler» sem dificuldade. Note-se que as figuras são apresentadas regra geral vistas de lado, outras vistas de cima (a mosca, o lagarto e o escaravelho, por exemplo) ou de frente – o que interessava era obter um fácil reconhecimento de cada hieróglifo.

Os signos podiam ser lidos da direita para a esquerda (que era a forma mais corrente), da esquerda para a direita e ainda de cima para baixo, sendo muito fácil perceber o sentido da leitura e, desta maneira, o início do texto: bastará seguir a posição dos signos que estão a olhar ou a apontar para o começo da respetiva frase.

Alguns hieróglifos têm apenas um som, tal como as nossas letras atuais (os unilíteros), ou têm dois sons (os bilíteros), ou três (os trilíteros). Além destes, que de facto se leem, há outros que se colocam no fim da palavra para esclarecer o seu sentido: são os determinativos (que podem ser fonéticos ou ideográficos).

Assim, e tendo em conta a aparente simplicidade do sistema, os signos ideográficos ou ideogramas representam, de imediato, aquilo que figuram, os signos fonéticos ou fonogramas dão apenas os sons (mais precisamente os sons das consoantes, as vogais não se escreviam), e os determinativos, colocados no final da palavra, não se leem mas facilitam a compreensão da ideia que se pretende transmitir. Agora é só começar a escrever...

Luís Manuel de Araújo

quarta-feira, 14 de abril de 2021

13ª sessão do Curso livre sobre o Antigo Egito


O ANTIGO EGIPTO NO CINEMA

13ª SESSÃO | 17 DE ABRIL DE 2021 | 15-17 HORAS

Resumo

José das Candeias Sales

(Universidade Aberta, CHUL)

 Não se pode ignorar, antes, pelo contrário, tem de se reconhecer, o enorme poder de sedução e de influência do cinema na formação de ideias e representações sobre o antigo Egipto e, sobretudo, o seu papel na globalização do conhecimento cultural sobre a civilização dos faraós, a sua cultura, as suas caraterísticas, as suas personagens e as suas divindades. Nesta sessão, passaremos em revista uma série de filmes que, desde as décadas de 50 e de 60 do século XX até à actualidade, foram moldando a percepção de milhões de espectadores sobre a Egipto antigo.


quarta-feira, 7 de abril de 2021

12ª sessão do curso sobre o Antigo Egito

 

A LITERATURA DO ANTIGO EGIPTO

A literatura do antigo Egipto pode ser interpretada de inúmeras maneiras, havendo muitas possibilidades de abordagem, da religiosa à mágica, passando por outras como a astronómica, a política ou a simbólica. Mas tal como a arte estava intrinsecamente ligada ao poder político e à religião, também a literatura cumpria o seu papel na sociedade, podendo-se afirmar que o seu primeiro objectivo era a formação. A ideia de uma literatura «para distrair», «para quebrar o tédio» não existia, a não ser como forma literária para lançar ideias com grande impacto na sociedade egípcia. Além desta componente pedagógica, tinham ainda uma componente didáctica, sendo também utilizados na formação de escribas, não só do ponto de vista caligráfico, gramatical e vocabular, mas também na sua formação pessoal através da abordagem dos temas. Mesmo ficcionados, eram normalmente construídos sobre uma base facilmente reconhecível no tecido natural ou social, que lhes dava credibilidade e sustentabilidade.

Quando se fala de literatura do antigo Egipto, desde logo afasta-se o conceito de uma literatura em sentido lato ou abrangente, que abarque toda a produção escrita conhecida como património literário do antigo Egipto. Pelo contrário, pretende-se tão-somente abarcar uma produção de carácter mais restrito que, independentemente do conteúdo e por força da sua qualidade estética, foi considerada trabalho de primeiro plano pela própria «crítica» egípcia da época. Através dela, os escribas legaram-nos valores e conhecimentos, pensamentos e crenças tão importantes, ou mais ainda, do que tudo aquilo que os seus empreendimentos de carácter mais visível nos podem transmitir. E isto, sem escamotear a certeza de só nos ter chegado uma pequena parte da produção literária egípcia! Vestígios fragmentados pelo tempo ou pela barbárie dos homens, cuja reconstituição de boa parte dos casos só tem sido possível através da utilização de várias cópias do mesmo texto, por vezes agravada por pertencerem a épocas diferentes. Outras vezes nem isso, conhecendo-se apenas um único e deteriorado exemplar.

Apesar de variada, a literatura egípcia que chegou até nós é, normalmente, organizada em cinco géneros: instruções, literatura das ideias, lírica, textos ideológicos e contos. Explicaremos cada um destes géneros e associar-lhes-emos textos que os integrem. Além disso daremos destaque a alguns desses textos, que podem ser a História de Sinuhe, o Conto do Náufrago, o Conto do Camponês Eloquente, a Instrução de Kheti, os Hinos ao rei Senuseret III, o Conto dos Dois Irmãos, O Príncipe Predestinado, A Tomada de Ipu, alguns poemas de amor, ou outros casos.

É da análise destes textos, em particular dos contos, que nascem as razões que tornaram deveras apreciadas as palavras de Gustave Lefebvre, muito interpelantes para os que se debruçam sobre esta temática: «Os contos oferecem-nos portanto a sociedade, a sua hierarquia, as suas diversas classes, como também as suas ideias morais e crenças religiosas, um quadro fiel, pleno de vida, com ricas cores, de detalhes cuidadosamente escritos, que nos permitem penetrar mais profundamente na alma egípcia. A este título eles interessam não somente à história da literatura, mas mais ainda talvez à da civilização». Acrescentemos que não são só os contos, mas os textos literários em geral, nos oferecem tudo isto: conhecer a literatura egípcia é a forma privilegiada de alcançar o modo de pensar e sentir da civilização egípcia, enfim, de estudar a «alma egípcia».

Um texto do Império Novo (Papiro Chester Beatty IV ou BM ESA 10684), datado da transição da XIX dinastia (c. 1307-1196 a. C.) para a XX (c. 1196-1070 a. C.), foi feito para exaltar a tarefa dos que escrevem e para sublinhar o valor intemporal do acto de escrever, que os letrados egípcios tanto cultivaram. A verdade é que, dizia já o escriba egípcio de há três mil e oitocentos anos, muitos túmulos de pedra desmoronaram-se e caíram no esquecimento, e com eles o nome dos seus proprietários, no entanto, os nomes dos escritores serão sempre recordados. Neste texto, o que mais impressiona, é a nomeação de oito autores «clássicos», os melhores, que viveram e produziram os seus trabalhos no Império Antigo e no Império Médio.

A IMORTALIDADE DOS ESCRITORES (3 últimas estrofes)

Um homem morre, o seu corpo está (estendido) no chão

e toda a sua família foi entregue à terra,

mas o que ele escreveu faz com que seja recordado

pela boca de quem disser a palavra.

Um rolo de papiro é mais útil do que uma casa construída

ou uma capela funerária no Ocidente.

Melhor do que esplêndidas casas de campo

ou uma estela comemorativa doada a um templo.

Há agora alguém como Hordedef?

Há outro como Imhotep?

Não nasceu ninguém na nossa geração como Neferti

e Kheti, o primeiro deles (todos).

Deixa-me lembrar-te os nomes de Ptahemdjehuti

e Khakheperréseneb.

Há outro como Ptahhotep

ou igual a Kaires?

Aqueles que sabem prever o futuro,

o que sai da sua boca vindo à existência

pode ser encontrado nas (suas) palavras.

Eles deram filhos a outros

como herdeiros dos seus (próprios) filhos.

Eles ocultaram a sua magia da terra inteira

para ser lida nas (suas) instruções.

Eles partiram, os seus nomes podem ter sido esquecidos,

Mas o que escreveram faz com que sejam recordados.

Doutor Telo Ferreira Canhão.